quarta-feira, 4 de maio de 2011

TERRA ESTRANGEIRA – O não-lugar físico, psicológico, econômico: a fuga do Brasil dos anos 90


Por Sâmila Braga


Até 1990, os malefícios do capital e da economia liberal iam afetando gradativamente a população brasileira. Foi só com o presidente playboy, de rosto jovem e cínico, que as garras do neoliberalismo se cravaram nitidamente nos corações de todo um povo, de uma só vez. Foi o confisco monetário da década de 1990. Olhos e corações se apertaram, quando a TV exibiu a então ministra da Economia. Zélia Cardoso, a confirmar o roubo vestido de política, realizado pelo governo Collor.

É nessa época que se passa Terra Estrangeira, renorteando o Cinema Brasileiro, então meio perdido. A produção luso-brasileira, dirigida por Walter Salles e co-dirigida por Daniela Thomas, ganhou inúmeras premiações, dentre elas, o Prêmio Margarida de Prata (Brasil), o Prêmio Golden Rosa Camuna (Itália) e o Grand Prix do Entrevues (França).

A trama usa a vida de Paco (Fernando Alves Pinto) para ir costurando o enredo e a argumentação. Sua mãe (Laura Cardoso), uma costureira espanhola que sempre cuidou do filho sozinha, cai de um enfarto ao saber que perdeu suas economias de toda uma vida para o Governo Federal. Paco, desamparado, recebe a proposta de viajar para Portugal, vendo aí mais próxima a oportunidade de conhecer a terra de sua mãe, sonho que ela alimentara e economizara para lá retornar.

As cenas em preto e branco são usadas como recurso de destaque da crise no país. O estudante, de 21 anos, aceita a proposta de levar um violino, cujo conteúdo desconhece. Continha diamantes para o tráfico internacional. Ao chegar na Europa conhece Alex (Fernanda Torres), também brasileira, namorada de um músico traficante. A moça, meio envelhecida pelos trabalhos, anseios frustrados e saudades do Brasil, já está cansada do amor destrutivo que vive com o namorado Miguel (Alexandre Borges).

Paco e Alex se conhecem após o assassinato de Miguel, e se envolvem. Compartilham a solidão na terra estrangeira e a falta de perspectiva de retorno para sua terra pátria. Sob uma iluminação distinta e uma fotografia privilegiada, o amor do casal nasce. O sofrimento os une, como na cena em que se abraçam, tendo ao fundo o navio encalhado. Momento digno de um fado português, já que não podem partir, nem querem ficar, tal qual o navio.

O sentimento do casal é regado por Vapor Barato, música de Jardes Macalé, em alusão a desesperança de uma geração cujos pais viveram uma ditadura militar e o exílio, e que agora fogem de um país sem rumo, revestido de uma falsa democracia. Embora não se prenda às questões políticas, dá margem para a reflexão. Tenta se firmar porém, no problema da imigração brasileira, pincelando a questão do contrabando.

O mar, ao mesmo tempo, é ícone da liberdade e caminho-relação entre os países que no passado foram metrópole e colônia. O navio ali encalhado, talvez referência a um Portugal periférico na Europa e à brasileiros periféricos em Portugal, vindos de um Brasil também periférico na economia mundial. Esses prendimentos dos personagens ao seu país de origem, com suas identidades culturais, constroem uma presente desterritorialização.

O atravessar do limite Portugal/Espanha, na cena em que Alex carrega no carro Paco, baleado e quase sem vida, é a materialização do rompimento da fronteira. Narrativa e espaço dialogam e se emprestam pedaços durante todo o filme.

Alguns críticos sinalizam Terra Estrangeira com ares de cinema noir, apresentando a busca por uma caracterização da realidade social brasileira, com trechos a la road movie. E não se pode negar a contribuição estética, narrativa e conceitual que a película imprimiu no cinema brasileiro contemporâneo. Deixou rastros que são seguidos e calçam obras até hoje.

Nenhum comentário:

Postar um comentário