quarta-feira, 31 de março de 2010

O DISCRETO CHARME DA BURGUESIA - O charme inabalável

Por Alan Regis Dantas



Divertido. Bem humorado. Sarcástico. De que maneira poderíamos a trama de Buñuel em O Discreto Charme da Burguesia? È difícil. A burguesia. Sim, ela sempre tão presente. Tão amada por uns (como acontece aqui no Brasil) e odiada por outros, torna-se piada de riso fácil em um dos filmes mais importantes do século XX.


O Surrealismo. Como explicar que fatos tão bizarros possam acontecer na hora do jantar? O desejo, o espetáculo, o terrorismo e até um policial fantasma surgem para impedir que essa discreta burguesia tenha um momento de confraternização. Enquanto um personagem acorda do pesadelo, já se encontra dentro de outro. O diretor brinca com a montagem da trama.



Traficantes de marca maior esses colarinhos brancos acabam não passando de ingênuos criminosos e viciados. Uma curiosidade. Na época de seu lançamento no Brasil, durante a ditadura, uma das frases foi cortada. O militar oferecia maconha e dizia: "então, é por isso que no Vietnã bombardeiam tantos lugares errados!".



Contudo o diretor quer passar uma mensagem. Boa ou má: A verdade é que essa classe burguesa nunca deixará de existir. Por mais que se tente e se pense o contrário, o seu charme, vaidade e ganância estarão sempre à mostra no seio da sociedade do capital. Estaria ele fazendo referências críticas socialistas? Buñuel era socialista? Talvez sim. Vamos pensar...



terça-feira, 23 de março de 2010

LADRÕES DE BICICLETA - A vida laboro

Por Sâmila Braga


Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani) atravessa tempos, culturas, nações. É personagem luta, símbolo, sofrimento. Operário da família, dos dias, do sistema. Encarna a alegria singela do desencantamento. Ao lado do filho Bruno (Enzo Staiola), encanta. A rica pobreza do homem que busca o prato. O que pareceria comum se transforma numa das tramas mais emocionantes da história do cinema. O roubo da bicicleta. Não pode lutar contra a inércia do mecanismo que controla, mantém. Deseja humanamente o trabalho sobre as duas rodas. E todas as migalhas que os patrões oferecem como vantagens. O abono familiar faria Bruno feliz. Aceita. O mesmo destino que lhe deu a sorte de ser tirado da massa de desempregados napolitanos no pós-guerra, levou suas rodas embora.


Um filme que trata da sociedade que exclui e do ser humano como fruto inerte diante de decisões maiores, vindas de artífices ocultos, propositalmente desapercebidos. A incrível e neo-realista capacidade de mostrar o banal que é subsistência. O homem proletário, arrimo de família, que enfrenta com o filho o desdém da burguesia que come às custas dos seus. Na cena em que Antônio e Bruno estão no restaurante, isso se faz evidente. Desde criança se pratica e se sofre os preconceitos de classe. A dupla esfarrapada, de única refeição, contrasta com a família de mesa cheia de margueritas, pizzas e sordidez. No decorrer da busca pela bicicleta perdida e esperanças arrancadas, pai e filho mergulham no mercado negro das bicicletas, perseguem um velho, vagueiam na chuva. Talvez seja nesse último momento em que a emoção do espectador seja mais depositada nos semblantes dos personagens. Rotos, sombrios, molhados, na lama do chão e da vida, seus olhos caminham sem saber o quê e como fazer para recuperar o que nem podem imaginar onde esteja.



Nos instantes finais da película, Ricci se faz desespero. Mãos na cabeça, incertezas. Há algo parado à uma porta que o chama, dizendo que ele pode recuperar o emprego, a alegria e o sustento da família. Consuma. Rouba uma bicicleta, mas é pego. Agora Ricci é vergonha. Sua face treme diante de Bruno. Não o prendem, por piedade. Não sabem de nada. Ricci não é ladrão de bicicletas. Mas já não adianta tentar explicar. Há muitas coisas por trás disso. Ele chora. Nós também.


quinta-feira, 11 de março de 2010

OS INCOMPREENDIDOS - "O Incompreendido"

Por Alan Regis Dantas



Os Incompreendidos marca a estréia de François Truffaut no cinema de longa-metragem. Uma obra que se estabelece também pelo traço emocional que está veiculado a cada cena. A infância de Antoine Doinel, garoto de país irresponsáveis da Paris do final dos anos 50, rende algumas reflexões importantes a respeito de valores que são transferidos através das gerações.

Quem nunca, na infância, se deparou com o questionamento das ações adultas? Os país estão realmente certos o tempo todo e tudo podem com os filhos? O que se passa na cabeça de um garoto que observa a traição da mãe? O preto e branco ajudam a visualizar as reações de um pequeno que não queria nada mais do que conhecer o mar e fugir, desaparecer de um mundo alimentado por dor e ressentimentos. Distante de tudo isso a fuga frustrada ainda lhe rende humilhações e a antiga gráfica do tio serve de abrigo e refúgio.



Doinel perde a infância. Roubos, rebeldia. Certas cenas mostram imagens do divertimento infantil e inocente em contraste com um menino fumante, um homem. A cadeia pelo roubo de uma máquina de escrever parece simbolizar a perda da própria liberdade de expressão. A única saída é a educação militar. Mas é justamente esse o momento em que ele rompe as correntes e corre para o fim.


A praia. Cenário aberto, límpido. Diferente dos ambientes internos e apertados mostrados durante o filme de 1959, o mar é o palco da liberdade. O final surpreende àqueles que queriam algo mais. Mas arte é “causar sensação”. Deixar o sabor do incompleto parece ser o fascínio da obra de Truffaut. E é isso que faz de Os Incompreendidos um clássico da nouvelle vague.

quinta-feira, 4 de março de 2010

ZELIG - O que ele mais queria era ser aceito...

Por Sâmila Braga





Mudar para ser aceito. Quem nunca tentou que atire a primeira pedra. Esse era o drama de Zelig, vulgo Camaleão. Sua psicopatologia virou icone, camisas, músicas, capas de jornal, a cultura de uma época. A doutora Eudora Fletcher pega o caso do paciente que já passou por F. Scot Ftzgerald. Assim se passa a trama. Trajando as vestes de um documentário passado por volta de 1920 ou 1930, o enredo diverte-se com o gênero. O que seria chato vira a comédia encarnada por Woody Allen. Ele, multifacetado, assume o roteiro, a direção, o papel principal. As expressões, ou a falta delas, são ilariantes.

Especialistas convidados para mentir uma quase verdade. Nomes que pesariam em qualquer grande documentário, que buscasse retratar o real, ajudam a construir a engraçada história de Zelig.


Muito de psicologia, dos hábitos sociais, complexos. O desejo latente que cada um tem de se encaixar, de pertencer a um grupo, da construção do pseudo como forma de aceitação. Digamos que Zelig seja uma hipérbole desse desejo.


O filme de Allen ainda mostra como a sociedade encara as diferenças e busca pela igualdade. A mídia que informa com alarde transforma os menores fatos em espetáculo. Nesse caso, havia um grande caso, não foi preciso crescer histórias para vender jornais.

Mestre na sétima arte, o diretor mescla cenas de cinejornais de época e trabalha com a película em preto e branco para se aproximar do real, do histórico. O trabalho de produção proporciona a esses laços uma consistência sem igual. A tecnologia empregada vem de filmes anteriores, como Forest Gump. O realce acontece em cenas em que Zelig aparece próximo de Al Capone, Willian Randolph, Bobby Jones, Charlie Chaplin, o Papa Pio XI ou Adolf Hitler. É a magia de fazer rir ou chorar vindas dos grandes óculos de olhar caido.