segunda-feira, 30 de agosto de 2010

CÃES DE ALUGUEL - Os diamantes no fim do arco-íris

Por Sâmila Braga

Blonde, Brown, Orange, Pink, Blue. Não, não estamos ensinando as cores em inglês. Esses são os pseudônimos dos personagens de Michael Madsen, Quentin Tarantino, Tim Roth, Steve Buscemi, Edward Bunker, respectivamente, em Cães de Aluguel. Vigaristas, amigos, ladrões especialistas. Pelo menos até o grande assalto de diamantes pensado por Joe Cabot (Lawrence Tierney). A polícia aparece logo após o assalto. Tudo é mostrado pelos diálogos e vários flashbacks no decorrer do filme. A partir do Armazém onde os ladrões, que desconhecem tudo um sobre o outro, inclusive o nome verdadeiro - daí as cores - se encontram. Onde estão os diamantes? Surge a suspeita que um dos senhores-cores seja um traidor. Já que a polícia já os esperava. Aparecera rápido demais. Conflito interno.


Tarantino vai mostrar na trama seus dotes na direção cinematográfica. Ele tinha em mãos um orçamento considerado baixo para um filme policial norteamericano: U$ 900 mil. Lhe restou a criatividade. Usou. Sangue, velocidade e diálogos profundos bastaram. A primeira cena já é reveladora. De personalidades, afetos e regras do jogo. O policial disfarçado, Mr Orange, já não evita mostrar seu senso de humanidade com relação às gorjetas da garçonete.


Com um final surpreendente, o traidor somente se mostra no fim do filme. Encharcado de sangue e à beira da morte. O drama e a ação vão ser as roupagens centrais. O que não impede que a obra se calce de humor e pitadas de um tom enigmático, buscando se tornar completa. Além do viés social, e das conversas que expressam-se analíticas e opiniosas a respeito da vida, da sociedade e dos homens. Eles são cães de aluguel. O enredo comprova que ser fora-da-lei é perigo. E nem sempre isso é ruim.


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

TRAINSPOTTING - Por outras águas, correntezas prazerosas que espedaçam barcos nas pedras

Por Sâmila Braga


É ao som de “Deep Blue Day” que acontece um dos ápices da trama. Renton protagoniza a cena de nojo-encantamento, paralelo traçado com o universo onírico das drogas. É como se o banheiro fétido, o vaso cheio, compondo o cenário de isolamento, horror, podridão, fosse a situação de necessidade da droga. A metáfora aflora, quando o jovem em estado de total torpor, mergulha privada adentro em busca da substância encapsulada. A cena que pareceria fake, não soa assim. O mergulho em águas profundas, azuis, cristalinas é levante de prazer e excitação.


Do mesmo diretor de Quem quer ser um milionário, Trainspotting ilumina o afundar nas drogas da forma menos conservadora que os anos 90 precisava. Marco do cinema, e consecutivamente de uma geração, o filme apresenta uma versão distinta das anteriores, permeadas de moralismo. Etimologicamente, o termo que dá nome ao filme significa para os ingleses uma brincadeira de jovens. Na Inglaterra, grupos de amigos competiam nas estações anotando horários das chegadas dos trens. Em seguida trocavam essas anotações. Nesse sentido, não há nenhuma relação direta com os conflitos da trama central. No romance homônimo de John Hodge, a partir do qual a película foi inspirada, os laços de amizade do grupo de amigos, viciados em heroína, são mais evidenciados. Talvez parta dessa relação de juventude, companheirismo e vícios.


As vertigens são sensoriais. O expectador afunda junto com o personagem em cenas como a do tapete. A overdose se torna coletiva. O desespero da abstinência, que vem acompanhado das alucinações, incomoda, transporta, desola, inverte. Não somente o chão e o teto, como também, valores e a falta deles, o sofrimento e a ausência de sentimentos.


Monta-se em Trainspotting , o começo e fim na perspectiva de ciclo, no qual todos os elementos da lógica do cotidiano são negados a priori e reconhecidos e assumidos no final, então começo de tudo. Auge, amadurecimento, tomada de consciência. A partir do ponto fim_princípio , tudo que não se queria ter torna-se a busca motivadora. Símbolo da resistência perante o vício-prazer, o personagem segue a caminho da normalidade, acreditando que agora ela existirá. Pelo menos para ele.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O SELVAGEM DA MOTOCICLETA - que é preciso destacar: as emoções, as cores, os momentos

Por Sâmila Braga


“O daltonismo (também chamado de discromatopsia ou discromopsia) é uma perturbação da percepção visual caracterizada pela incapacidade de diferenciar todas ou algumas cores, manifestando-se muitas vezes pela dificuldade em distinguir o verde do vermelho”. Coppola transforma a patologia visual em arte. Pode. Os peixes de brigas, que dão o tíulo original do filme, se destacam na cena. Levam o “selvagem da motocicleta” ao seu fim.

Mesmo com os cortes abruptos de cena, o mix de drogas, juventude e sexo tão explorado pelo cinema é trazido de forma diferente. Cai uma geração. Outra, sem rumo, tem como heróinas a confusão e perda de identidade. Na trama, o jovem Rusty James (Matt Dillon) vai entendendo e deixando de entender. O fim das gangues, a partida e retorno do irmão e o amor pela namorada.


A briga no metrô dá ao iníciodo filme o movimento, que naõ percorre o decorrer da película. Quando James leva a facada, fantasia e realidade se mesclam. “Vida esquisita essa de vocês", retruca o pai bêbado. Os filhos, reflexo do fracasso, na vida, no casamento e no trabalho do pai. O relógio, que vagueia em muitos momentos da história, denuncia.O tempo perdido e aquele que ainda não se perdeu. A fumaça também dá certa áurea transcedental. Seria a juventude, a transitoriedade, o fugaz.

No filme é possivel entender, como em nenhum outro, porque o cigarro era sinônimo de charme. Mickey Rourke interpreta o irmão-herói de Rusty James. O ar feminino e maduro dá a tranquilidade que inquieta o caçula. “Até nas mais primitivas sociedades há um certo respeito pelos insanos”, argumenta. Era insano, capaz. Cansou-se. De tudo. Talvez o melhor fosse mesmo o que viria a acontecer. Ele esbraveja calmamente ao irmão, em birra-confusão: “eu não posso ser o que você quer mesmo que eu morra por isso”. E assim acontece.