Por Sâmila Braga
Tudo parece se acalmar. É como se nada tivesse acontecido. O azul entorpecente da piscina. A água da noite, congelante. Vir a tona, a realidade, o choque, a perda. Novos mergulhos de lágrimas que se misturam ao cloro. O azul. Julie vai passando, sem fazer nada. Conhece pessoas, gente, diferente. Assusta-se com a cria da rata. Quer eliminá-la. Não quer crianças por perto. Lembranças da maternidade que um dia já exercera. A filha e o marido se foram no acidente de carro. Ela sobreviveu. Será? Vai passando. A tentativa de suicídio frustrada foi o sinal da fraqueza. A liberdade de fazer. Não consegue, se diz fraca demais para isso. Além da piscina, passa a mergulhar na música com o homem que a ama a muito tempo. Foi seu remédio quando já não mais agüentava. Ele guardou as recordações, e comprou o colchão velho, último pedaço da casa, do passado de Julie. Queria chamar sua atenção, usou até a TV para isso, ocasionalmente conseguiu. Desejava trazê-la de volta a vida, ressuscitá-la, afinal, tinha 33 anos. Estava desprendida, livre. Já que “bens, recordações, amigos, vínculos, são tudo uma armadilha”.
Julie aprende que é preciso estar presa a algo. O mendigo/flautista lhe disse. Sua história se tece na dor palpável. Azul. Orquestrados pelo som da trilha sonora de Zbigniew Preisner, os fatos se impõem, imperativos como a música. A materialização acústica. As descobertas e retomadas. Kieslowski brinca e atrai com o que para alguns diretores são apenas recursos técnicos. As expressões dispensam as falas. Olhares, cenários e luz desdobram pensamentos, reflexões.
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