quarta-feira, 1 de setembro de 2010

PATATIVA DO ASSARÉ: AVE POESIA - Dar asas à ave. Dar cultura ao povo

Por Sâmila Braga

E foi assim. O interiorano, homem simples, que teve acesso aos livros, tanto impressionou por seu talento. Criticou, questionou, produziu, criou. Arte. Versificou brilhantemente os costumes, os contextos, as histórias. De amor único, as dores comuns de sertanejo poderiam tornar, além da pele, seu coração duro, carrancudo. Optou por ser literato, falar pro povo, do povo. Cordelizar. Rosemberg Cariry traz a vida do poeta-ave nessa obra de 84 minutos. E enfatiza seus atos políticos, pouco explorados. Desmistifica assim a imagem do intelectual acadêmico como único protagonista na expressão de desaprovação do Regime Militar brasileiro.



Personificação do saber popular que pôs as vistas sobre as letras eruditas, Patativa fundiu a ambas, hibridizou-se. É nesta perspectiva que o diretor cearense aponta as construções da poesia de Patativa do Assaré. Na fala, escondida sob os grandes óculos negros, simples por opção, os calos sociais viravam estrofes cantadas. Belas.

O filme, além de homenagem ao homem, de nome emprestado do pássaro e da cidade, exalta a condição de Antônio Gonçalves da Silva. Seus temas recorrentes são embalados pelas toadas de sua autoria. Êxodo rural, reforma agrária, mazelas suas e do seu Nordeste, são cantados pelo poeta em planos emocionantes. Como na cena em que Patativa narra a morte da Pequena Nana, sua filha-tesouro, banhando seus olhos e, possivelmente, os dos expectadores de lágrimas.

“Porque é bem triste a sentença,
de quem perdeu na existência,
o que mais amou na vida.
Já tô velho, acabrunhado,
mas em riba deste chão,
fui o mais afortunado
de todos os fio de Adão.
Dentro da minha pobreza
eu tinha grande riqueza,
era uma querida fia.
Porém morreu muito nova
foi sacudida na cova,
com seis ano e doze dia...




A fome, latente nas letras-faladas de Assaré, é explorada concreta. Apesar de ser vista como abstrata, pode ser sentida na dor de cada poema. Ter o poder de comover até mesmo quem não compartilha dos problemas contados, é lugar-forte dos grandes escritores. E Patativa se inclui neste grupo, com a linguagem do campo, é então, poeta desterritorializado, que serve com seus versos ao trabalhador. Traz o discurso-denúncia do sofreres do êxodo, da família que corre fugida da seca pra compor a massa explorada dos grandes centros Urbanos.

“Diante da terra
tão seca mas boa
sujeito a garoa
a lama e o Paul
é triste se ver
um nortista tão bravo
viver sendo escravo
na terra do sul”

É poesia louvável, pra ser comida com a fome do sertão. Ave poesia. Que bate as asas ainda e demonstra a prova-exceção, que poderia ser mais regra.

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