Tratar conflitos de forma bem humorada e evidenciar contradições em ditames da sociedade moderna parecem ser o ponto alto de Caramuru. Ao readaptar o gênero série, amenizando uma hora de duração, Guel Arraes quase consegue livrar-se do formato televisivo. Embora as graças não sejam tão fortes, elas acompanham suavemente o decorrer da trama. O choque de culturas, vestido nas alegorias presentes no romance, elucidam pedaços da História, contada de cima, de forma lúdica e apontadora. Tenta romper certos conceitos acerca de determinados valores. Algumas vezes consegue, outras não. Inversão e paralelo caminham nas cenas entre as terras do Novo Mundo, férteis em sementes e prazeres e as pequenas e multiplicadas regras diárias de uma metrópole como Portugal.
Ainda que a crítica abstenha-se à nuances superficiais, essas aparecem relevantes e podem abrir margem para a colocação de elementos subjetivos que proporcionem interpretações mais aprofundadas. Os personagens, grandes hipérboles das figuras da mitologia tupiniquim, gracejam com o roteiro posto de forma demasiada regular.
Embora com uma imagem anedótica e distorcidam,o povo primitivo, indígenas, coisificam a malandragem e personificam o caráter simplório e preguiçoso. Mesmo postos assim, os “índios” dão margem à observação de antíteses na cultura ocidental da época e que permanecem até hoje como hábitos sociais cristalizados. O espírito de inocência_malícia e o ar inquieto_inquisitor de Paraguaçu vão descortinando as contradições citadas anteriormente. Traição, amor, casamento, ambição, materialismo. São invenções nos dadas pelo homem branco? Ou são conceitos meramente ilustrativos da nossa rotina, vividos há séculos, e que coercitivamente nos prendem numa ótica de vivência segundo uma lógica pré-determinada? Quem vive melhor? Se é que é possível abrir a questão no ego inchado da cultura ocidental, com seus arrotos de grandiosidade e avanço. Talvez Caramuru também tenha suas raízes nesses contestamentos. Ainda que de forma tacanha.
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