sexta-feira, 8 de outubro de 2010

VALSA COM BASHIR - Juntando retalhos de uma memória de dor

Por Sâmila Braga



Um novo gênero, já trabalhado por Marjane Satrapi em Persépolis. Podem chamar de graphic novel, documentário-animação, ou simplesmente de real-desenhado em movimento. É nesse formato que Valsa com Bashir desenvolve sua trama. O diretor israelense Ari Folman vai desencantando lembranças de um passado de tanta dor que sua mente fez questão de apagar.

Um jovem de 19 anos, junto com tantos outros, matando, ferindo e destruindo. A Guerra do Líbano. Ari anunciou na internet que lançaria o filme. Cerca de cem pessoas queriam dar-lhe depoimentos. Ele acredita, que na tentativa de também livrarem-se, despejarem aquelas lembranças-sofrimento. Emparelha algumas entrevistas, do lado israelense. Auto-reconstituição. Contudo, mais do que isso, busca um filme jovem e antiguerra.

As primeiras cenas do filme dão a explicação. O amigo esclarece como a memória pode fabricar informações, mesmo da infância distante, preenchendo lacunas que podem nunca ter existido. Ou, deletar informações dolorosas para que a vida siga sem traumas. O tema é retomado mais a frente, quando a especialista em pós-trauma, Zahava Solomon, explica como um jovem criou um mecanismo para isolar-se de todo aquele horror da guerra. Ele imagina que tudo é como um filme, e que vê os momentos passarem atrás de uma lente fotográfica.

Uma das fotografias impactantes, que quebra sua câmera imaginária, é a de um jóquei com várias carcaças de cavalos. Talvez ai trace-se um paralelo entre o limite do sofrimento. E caiba a indagação de até aonde vai a crueldade humana. Onde estará sua racionalidade, ou mesmo emoção? A cena onde o foco está no olho do cavalo morto refletindo o homem de sombra triste pode ser espelho disso.

Outro aspecto que auxilia no transporte do expectador para os diversos ambientes é a trilha sonora. Max Ritcher trabalha com o punk rock, dando a devida jovialidade à obra. É quase como se tudo aquilo fosse um vídeo-game. Ou quando usa música lenta, terna, na cena do pomar, onde a criança explode o tanque e logo em seguida é morta por centenas de tiros. A iluminação desta cena impressiona pelos focos de luz combinados ao som calmo. O slow-motion co-habita com os demais elementos dando uma áurea de torpor ao momento. Num misto de obstrução, sonolência e letargia.

A música também é destaque na cena que materializa o título do filme. Quando o soldado Frenkel metralha, rodopiando “durante uma eternidade ou só um minuto”, com o pôster gigante do líder israelense cristão – Bashir - de fundo, por entre os tiros, ele valsa. A valsa com Bashir.

Durante os 90 minutos, a busca por lembranças do massacre de Sabra e Shatila, revela que os soldados, carregam as vestes de vítimas tanto quanto os milhares de civis palestinos que tiveram seus amados mortos. Do particular para o universal, Ari Folman consegue delinear equivalências relevantes. Como quando refere-se ao seu pai, na Segunda Guerra Mundial. Ou quando equipara o drama dos campos de concentração judeus aos campos de refugiados palestinos.

Para quem gostou da película que conseguiu tratar de um tema tão sujo e pesado como a guerra com desenhos impressionantes, fortes,oníricos, a editora L&PM traz mais. Mesmo sem os sons enternecedores, uma HQ, com ilustrações do brilhante David Polansky – animador do filme –está nas bancas. Ela tem 120 páginas e custa R$46,00.

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