sábado, 25 de setembro de 2010

O SANTO GUERREIRO CONTRA O DRAGÃO DA MALDADE- Mais do que estética da fome, brincando com o maniqueísmo popular

Por Sâmila Braga

Brincar com o culto e o popular parece ser fichinha repetida por toda a obra glauberiana. E em O Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade essa ficha se tornou extremamente mais visível. Ópera e cordel se casam nas cenas de tomada de consciência e traição.

O filme que deu ao diretor os anos de exílio na Europa, ainda se faz perceber como vestígio do romantismo revolucionário da década anterior. Com grande força gráfica, O Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade foi o primeiro longa-metragem colorido de Glauber Rocha. Affonso Beato assinou as imagens, impactantes e bem ao estilo de um western nordestino. Como alguns autores apontam, um novo estilo surgia ai, já desde Deus e o Diabo na Terra do Sol. O neo-western.

Os dialéticos 99 minutos defendem direta ou indiretamente nas falas de algumas personagens, como as do professor, as idéias revolucionárias, de apoio a reforma agrária e possibilidades de amenizar as desigualdades sociais. A versão original do filme havia sido semi-consumida pelas chamas de um incêndio. Os retalhos restantes se juntaram numa reconstituição salvadora com as cenas de uma cópia francesa e os áudios de uma cópia cubana. Daí os trechos com legendas no idioma voltariano.

Há uma troca constante de papéis entre bem e mal. Como indica o próprio título, a trama se pauta no constante questionamento do maniqueísmo popular, edificado na cultura e nas vivências diárias do povo. A figura do Dragão (mal) a priori é personificada por Antônio das Mortes, sendo posteriormente transferida para o Coronel, opressor, latifundiário. O mesmo acontece com o bem que se cristaliza no cangaceiro, Coraína. São Jorge, ai aparece como um negro, fugindo da figura europeizada cristã. A imagem de santo guerreiro transfere-se então para o professor, mesmo bêbado e melancólico, possui a verdade libertadora e abre os olhos do povo para a dominação.

Toda esta construção dialética reproduz a própria Cultura, revelando como ela está sujeita a constante transformação, não sendo algo imutável, sólido, eterno. Mostram-se ai também os conceitos de moral e justiça de Antônio das Mortes, líder neste movimento. Conceitos contraditórios – contradição presente nos próprios pensamentos de Glauber com relação aos valores sociais -, pelo menos em relação aos padrões de um sertão arcaico ou da sociedade contemporânea ocidental.




No “delírio do faminto” – conceito de Ivana Bentes - O Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade é considerada por muitos a obra-prima de Glauber. Exalta o antropofagismo da estética da fome, experimentando as porções de cultura sertaneja com os elementos do cinema novo. Antônio das Mortes é exaltado internacionalmente. Mais um exemplo do anti-herói que chama a atenção e agrada. Glauber é mestre nessas criações.

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