Nelson Pereira dos Santos, Daniela Thomas, Sérgio Bianchi, Júlio Bressane e Walter Sales
Este, mês o Cine FA7 vem com quatro obras do cinema atual do nosso país. Esse nosso cinema que vem se desenvolvendo desde seu ápice até agora, desde as películas do Cinema Novo, algumas delas que exibimos mês passado.
Os filmes exibidos também vêm refletindo as questões do país que se seguiram a sua produção, como em Cronicamente Inviável e Brasília 18%. Ou em outros casos, como em Dias de Nietzsche em Turim, mostram a repercussão que os cineastas brasileiros conseguem ter internacionalmente. Ou ainda, pincelam como é ser brasileiro fora do Brasil, como em Terra Estrangeira.
Walter Salles e Daniela Thomas, Sérgio Bianchi, Júlio Bressane e Nelson Pereira dos Santos são os diretores que figurarão nas quartas-feiras de maio da sala 53B. Venha conferir um pouco do cinema nacional no Cine FA7 e não esqueça de pegar sua pipoca!
“Quem sou eu?”. A inspiração existencialista de Godard se apresenta já na primeira fala de O Bandido da Luz Vermelha. Jorge, personagem inspirado no assaltante e assassino João Acácio Pereira, bonitão que assolou a cidade de São Paulo no fim da década de 50, inicia a obra com o monólogo. Logo, a narração debochada que se assemelha a um programa de rádio policialesco informa: “trata-se de um faroeste do Terceiro Mundo”. Ai, quem já escutou a música Rubro Zorro, da banda Ira, identifica. A canção, que pouco informa na letra, se refere claramente ao bandido da luz vermelha.
Lançado, em 1968, um ano depois de o mito inspirador da trama ser condenado à 351 anos, 9 meses e 3 dias de cadeia, O Bandido da Luz Vermelha marca exatamente o momento de transição entre o Cinema Novo e a abertura para o Cinema Marginal. Apesar de considerado Marginal, pela sua caracterização estrutural, alcançou grandes públicos. E como conta a atriz Helena Ignez, que interpreta Janete Jane, o reconhecimento não aconteceu à época, por influência de membros da esquerda conservadora. Somente 20 anos depois, o diretor do filme Rogério Sganzerla, levou outra obra - Nem tudo é verdade - ao Festival de Cannes.
Com 22 anos de idade, um incrível senso de desconstrução de roteiro e uma forte capacidade de roteirização para os parâmetros contextuais da época, Rogério Sganzerla chamou atenção. Como Bill Pronto coloca, os próximos 50 anos seriam dedicados ao estudo da obra de Sganzerla, assim como os 50 anteriores haviam sido colocados para investigação de Wells.
Considerado como o maior representante do Cinema Marginal, O Bandido da Luz Vermelha venceu o Festival de Brasília, em 1968, nas categorias de melhor figurino, melhor diretor, melhor montagem e melhor filme. Agraciado com a estética do lixo, já apontando para as mazelas do espaço urbano e da sociedade de consumo, abandona o conjunto de elementos até então valorizados pelo Cinema Novo. Enaltece o cafona, o sujo, a degradação moral dos personagens, como forma de enfatizar a ruptura com a rotina moderna.
Curiosidades: - Sônia Braga faz uma pequena participação na trama, apenas como uma das vítimas do bandido. - Mesmo para a efervescência cultural da época, o filme chocou e agradou o público, já habituado há constantes rupturas em todas as esferas da arte. - O bandido Acácio, que inspirou a trama de Sganzerla, cumpriu sua pena no Carandiru, e no dia em que deveria sair de lá, se recusou. Estava convertido ao protestantismo, com um comportamento exemplar para o presídio, que incluía até pregação da Palavra aos colegas de prisão.
Marcando o Cinema Novo, com ganas de quem quer destrinchar os conflitos culturais brasileiros, Anselmo Duarte dá vida a’O pagador de Promessas. Usando a saga de Zé do Burro, o diretor pontua as reapropriações religiosas que o povo trata de fazer, como quando a branca Santa Bárbara, é exaltada no terreiro de macumba como a Deusa Iansã, e faz curar o burrico do pobre Zé.
Um raio faz cair um galho que, por sua vez, sangra a cabeça de Nicolau, o burro. O dono, amigo que era do animal, corre a rezas, benzimentos e é só no terreiro que consegue a graça, ao prometer a Santa Bárbara, Iansã, que se o bicho ficasse bom, andaria sete léguas com uma cruz às costas, e além disso, distribuiria suas terras aos que de terra carecem. O intuito era entregar seus agradecimentos pessoalmente no templo que batizaram com o nome da santa-divindade, a igreja de Santa Bárbara, em Salvador.
Chuva e sol, calos nas costas e nos pés, e a lamúria da esposa não desvanecem a fé de Zé. O moço consegue chegar a igreja, que pela noite, se encontra fechada. Tem de dormir ali mesmo até o amanhecer. A mulher, zangando-se da teimosia do marido, engraça-se com um larápio que puxa conversa com o casal. Passa a noite com ele num quarto de pousada, apoiando seu arrependimento na inocência do marido.
A manhã e os olhares comentosos das beatas acordam um Zé que dorme sobre a cruz de pau. O padre escuta de pronto a história do homem, e ao tomar conhecimento da promessa, a acha presunçosa e descabida. Ora, como poderia um homem querer imitar o filho de Deus para salvar um bicho, um burro ainda por cima? Esquecendo que Jesus Cristo montou um burro, o padre desdenha o pagador de juramento, e não o deixa entrar na igreja. Ainda mais por que a promessa foi feita, não sob o manto da Santa igreja Católica, e sim sob os coloridos rodopiares do Candomblé.
Zé tenta persuadir o pároco, argumentando que a fé é a mesma e que a graça fora alcançada. O diálogo todo se passa na gigante escadaria da igreja. Em certos momentos o cátedra se posta ao lado do fiel, ouvindo-lhe atentamente. Em outros tantos, lhe grita as verdades sagradas e lhe aponta sua desobediência, degraus acima, impondo-lhe a hierarquia que a Igreja tão bem sabe ensinar.
Em outra cena, água em bacias e muitas baianas de saias rodadas e colares de contas vão expulsando da escadaria o Zé, que se apóia na cruz, esperando o padre decidir-se por deixá-lo entrar. É a lavagem dos degraus que acontece em data anual, homenageando a santa.
A notícia se espalha. A imprensa, representada pelo jornaleco dali, aparece para entrevistar Zé. Na conversa que o jornalista tem com seu editor, fica clara a crítica do filme a mídia. “Não queremos reportagem bem feita, queremos reportagem que venda, entendeu?”, intima o editor ao repórter, indicando-lhe que recorra a imaginação. Essa imagem é reforçada na cena em que Zé do burro conversa com o policial, e esse, diz que o padre vai ter de abrir as portas da igreja, pois “quem não tem medo da imprensa?”.
Com as proporções que toma, o assunto vira conversa do monsenhor arcebispo. A igreja não quer dobrar-se, ao passo que sugere ao devoto queabandone as influências que teve do demônio e desista da tal promessa indigna. Diante da “tolerância cristã”, Zé não renega a sua jura, e reforça que fez a promessa à santa e não ao monsenhor. Assim, ele não teria direito de liberá-lo de coisa nenhuma.
Um conflito se inicia, e um tiro ceifa a vida de Zé. O fim da película não poderia ser mais cristão. Capoeiristas atam o corpo do homem à mesma cruz, que carregou por longo caminho, e o levam ao altar de Santa Bárbara. O povo se dissipa e a mulher termina desolada naquela larga escadaria. Agora, longe de casa, sem fé e sem o seu homem.
O cinema moderno brasileiro ou Cinema Novo tem momentos de aprimoramento no intervalo de tempo que o compõe. No Cine Fa7 deste mês, escolhemos quatro obras marcantes para ilustrar esse período decisivo na construção cinematográfica nacional, com quatro grandes diretores.
Uma boa indicação de leitura para quem deseja se aprimorar no assunto é o livro de Ismail Xavier, que leva o mesmo nome da temática deste mês, “Cinema Moderno Brasileiro”.