sábado, 18 de setembro de 2010

BARRAVENTO - Rocha dura em água mole. Tanto bate até que choca

Por Sâmila Braga


Firmino ama Naína, mas se atrai por Cota, que ama Aruã, que ama Naína, que também ama Aruã. É esse emaranhado conflituoso de relações que impulsiona e culmina no Barravento. O mar como gerenciador leva à aldeia as cobiças de Iemanjá. Aruã é da deusa das águas e de nenhuma outra mulher. Desejos desrespeitados, aldeia castigada. O não assentimento à essa lógica imputa medo. A película se desenvolve a partir da indagação da deusa_mar, mas também com uma narrativa construída sobre essa mesma deusa. Seria possível enfrentar o patrão_opressor, dono da rede ou “o direito do homem pobre é o trabalho” como é levantado em uma das cenas? Não seguir a tradição, afixada pela deusa das águas há gerações e bater de frente com Janaína poderia trazer conseqüências? Tais questões norteiam o primeiro longa-metragem de Glauber, lançado em 1962.

O preto e branco até poderia tentar homogeneizar a mistura. Não conseguiria. Aquilo que Glauber quebra na trama de Barravento também reforça o encantamento do misticismo e das vivências afro-brasileiras. Rodas de samba, capoeira, macumba, ritos, sacrifícios. Elementos culturais, que surgem para contemplar a nova realidade do negro no Brasil, são utilizados para tecer a narrativa. Expressão afro-brasileira à exploração e marginalização.

Ao mesmo tempo, o diretor apresenta o misticismo como forma alienadora e corrente cerceadora da luta popular subversiva. A principio, o romance que seria dirigido pelo amigo, Luís Paulino, ganha asas de revolução. A mão glauberiana transforma Barravento, como tudo aquilo que toca, em arte crítica, cinema novo.


Firmino, o Exu personificado por Antônio Pitanga, figura mítica afro-brasileira, anuncia os desejos já escritos dos deuses-orixás. Aos pescadores, cabe então apenas conformar-se e entregar-se às vontades de Janaina, rainha das ondas. Glauber parte do mito para o seu próprio enforcamento. A cultura popular é encarada na obra, não somente como alienação, como também instrumento de resistência. A crença, controladora dos mais distintos aspectos da vida da aldeia, além de desencadear um modo de vida próprio, se apresenta como incultura de sobrevivência. Amor, vida e meio social rasgam as relações - tal como estavam pontificadas - no ápice que dá nome ao filme. O Barravento. Aruã desafia as forças sobrenaturais quando sobrevive ao despacho de Firmino, quando se entrega à Cota às vistas de sua mãe do mar e quando foge com Naína.


É o cinema mostrando, pela década do romantismo revolucionário, que pode reproduzir, contestar e mostrar as opressões do sistema. Como disse Jean-Claude Bernardet, em 1963: “Esse amor à vida é raro no cinema brasileiro (...)”. E parece que ainda hoje, continua sendo escasso. Mais filmes como os de Glauber.

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